sábado, 1 de agosto de 2009

A origem do machismo


Uma tese especulativa sobre a origem do machismo.
Primeiro é preciso definir o que estamos chamando de “machismo”. O machismo representa a submissão forçada da mulher ao homem. Esta concepção remonta a que período da humanidade? Interessa-nos analisar a hipótese que coloca essa origem com o fim do matriarcado, portanto há pelo menos seis mil anos. Segundo é preciso especular como funciona uma sociedade matriarcal. A hipótese defendida aqui é que as sociedades matriarcais apresentavam:

1 - um número reduzido de membros ;
2 - uma baixa complexidade social, com uma baixa hierarquização ou divisão de trabalho ;
3 - um intenso senso de comunidade, com baixa individualização ;
4 - uma baixa dependência tecnológica e uma alta dependência de técnicas de subsistência naturais ou primárias, como caça e coleta ;
5 - um modo de vida nômade ou residência temporária em cavernas e pés de vulcões.

Com essas características colocadas, podemos perceber uma forte necessidade de relacionamento dessas sociedades com o ambiente natural e os fenômenos naturais, cuja inconstância é respeitada e reverenciada, ao invés de tratada como objeto passível de dominação. Numa sociedade desse tipo a matriarca é a figura central, mas ela não é centralizadora do poder. Ela representa a identificação entre os membros da tribo, é a representação da extensão da tribo. Isto era necessário como maneira primitiva de formar grupos humanos. A “prova” de que alguém faz parte do grupo é o relacionamento que ele tem com a matriarca. Todas as mulheres buscam ajuda na mais velha para criar seus filhos, logo a matriarca é como se fosse a avó de todos. Ela garante o laço sanguíneo e é a fonte de conciliação entre os membros. O senso de comunidade é criado porque em grupos pequenos a sobrevivência de todos depende da união do grupo. Uma pessoa a mais ou a menos poderia decidir o sucesso de uma caçada. Os valores únicos de cada um são considerados. Por motivos óbvios, era muito mais fácil identificar laços de sangue com uma matriarca que com um patriarca. A figura do chefe masculino não é inexistente, ele poderia ser o caçador mais experiente ou mais forte , mas não é ele que "representa" a tribo. Suas decisões eram relativas à estratégia de guerra ou de caça. As decisões coletivas do cotidiano eram delegadas à matriarca. É verdade que o homem nem sempre teve a caça como atividade principal. Durante a maior parte do tempo ela foi muito rara, e prevalecia a alimentação vegetal. Neste período a sociedade deve ter gozado de uma grande igualdade entre os sexos. Porém, com o advento da era do gelo os vegetais ficaram mais escassos e os homens tiveram que aumentar o consumo de carne, aumentando as atividades de caça. Isto provavelmente deixou os homens com um gosto instintivo por carne, que não conseguem abandonar mesmo quando as condições são favoráveis para o consumo de vegetais novamente. Vamos agora examinar as mudanças que acompanham a prevalência da caça nas atividades masculinas.
Uma nova está surgindo nesse contexto: Uma linguagem específica para a caça. A linguagem anterior provavelmente foi criada visando o cotidiano da tribo: o reconhecimento de plantas, animais, lugares, outras tribos, condições climáticas, situações favoráveis ou perigosas, etc. Esta linguagem é mais subjetiva e voltada à educação dos filhos e troca de experiências. Os novos caçadores desenvolveram sinais objetivos, porque precisavam ter uma previsibilidade maior dos possíveis comportamentos da caça. Precisavam de respostas específicas para comportamentos específicos. São sinais sonoros ou gestuais do tipo: “para um comportamento X, faça Y”. Isto significa o desenvolvimento do raciocínio lógico masculino, chamado genericamente de “lógica”. Cria-se então uma necessidade maior de uniformidade na linguagem masculina, que leva à uniformidade do pensamento masculino. Enquanto isso as mulheres, geralmente, continuaram lidando com o ambiente humano do cotidiano da tribo. Elas precisavam tratar de eventos imprevisíveis, como o comportamento das crianças, seja em brigas ou em brincadeiras, além de tentar conviver com os homens que estavam se afastando pouco a pouco do cotidiano da tribo. Tudo isso leva a linguagem e a mente feminina a se tornar mais intuitiva. Ela está mais interessada em entender os sentimentos dos outros do que o movimento e o funcionamento físico do mundo, mais interessada na reconciliação que na vitória de um sobre o outro. Porém, com o fim do nomadismo e do modo de vida de caça e coleta, o homem se vê numa situação diferente. Ele começa a aplicar seu modo de pensar o mundo à organização da tribo, impondo sua visão de mundo em detrimento da visão feminina, possivelmente de maneira agressiva. É claro que com o passar do tempo as duas linguagens se misturaram e mudaram muito, mas a essência da divisão foi perpetuada pela prevalência da visão de mundo masculina.
Com o início da agricultura o homem quebra o ciclo de provisão natural, que se apresenta em todos os outros animais como períodos cíclicos de fartura e fome. Estocando comida, o homem deixa o modo de vida nômade e passa a estabelecer-se em lugares fixos. A caça e a coleta são substituídas pelo plantio. Mas o raciocínio masculino já havia se adaptado a pensar em forma de “jogos lógicos”. Tendo perdido a atividade para o qual seu cérebro se adaptou, ele procurou estimular essas habilidades de outras formas. Como agora passava o tempo todo num só lugar e a atividade de plantar, ao contrário da caça, é extremamente desinteressante ele começou a “inventar jogos”. Já que ele havia aprendido a dominar a terra para que ela produzisse o que ele precisava, ele começou a organizar o lar, usando seu raciocínio lógico. Depois de alguma experiência com a criação de animais, ele pode perceber que a fêmea depende do macho para gerar uma nova vida. A gestação de uma nova vida perde seu caráter divino. Como ele não podia entender muito bem como funcionava o raciocínio intuitivo da mulher, ele deve o ter considerado inútil, e assim ampliou essa inutilidade à própria mulher. Este novo conceito de mulher, confusa e meramente mundana, pode ter determinado o fim do culto à Deusa. O que importava agora era a produção de vantagem material com a aplicação do trabalho. Conjuntamente com isso, a população cresceu desproporcionalmente, criando diversos problemas e a necessidade de uma organização social nova, que é feita aos moldes do pensamento masculino. Isto quer dizer, com muita objetividade e pouca subjetividade. Como a atividade de plantio não necessita de grupos e pode ser feita por indivíduos com tecnologia, inicia-se a dependência tecnológica e a individualização. Assim, as características identificadas como típicos da organização matriarcal foram sendo substituídas. É o que Rousseau chamaria do início da desigualdade humana, porém com uma diferença importante: as desigualdades nascem entre o homem e a mulher, entre o homem e natureza, e se estendem para a desigualdade entre homens e outros homens.
Poderíamos dizer que toda a civilização é um empreendimento fundamentalmente machista, que surge de um desequilíbrio entre o raciocínio masculino e o feminino. Este desequilíbrio é natural ou cultural? A resposta que podemos dar agora é: ambos. Suas condições foram dadas pelos genes, mas foi levado adiante culturalmente, e culturalmente tem sido mantida à força. Força tanto coercitiva quanto retórica, tanto física quanto lógica. Por cima dos sentimentos de que há algo errado conosco, têm sido colocadas máscaras de conformismo, ignorância, massificação e desumanização. É preciso perceber que há outras maneiras de pensar o mundo e de organizar as pessoas. Não podemos esperar para agir somente quando os fatores se tornarem objetivamente visíveis, porque pode ser tarde demais. Nem podemos tentar resolver com o mesmo raciocínio que criou o problema, o raciocínio puramente objetivo, que enxerga as questões isoladamente e mecanicamente, que pensa em forma de “vencedores e perdedores” e não de reconciliação. O pensamento machista se manifesta hoje na crença de que a tecnologia nos salvará de qualquer coisa. O ponto de junção entre ecologia, anarquia e teoria do caos é a nossa nova base para uma reconstrução de um modo de vida satisfatório para cada um de nós.